quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Excesso de nada

No teclado da chuva
acordo o tempo

não há motivo
pra desculpas
existe é medo
e recheio de culpas


na água sobre os telhados morenos
a pele é pouca,
muita é a carga
há tanto por dia

só não brota ternura
desse chão de primavera
o calor frita as flores
e os pássaros calados

só o vento sopra
contra as aragens
acarinhando a dor
de ser deixado no meio da praça

grita a consciência muda
das gentes que falam
mas não fazem

e essa água parada
contamina as vontades
Nadaísmo de quimeras.
Tudoísmo de vazios.



domingo, 16 de outubro de 2016

Roda dos ventos






Um sorriso corta o outro
na paisagem da alegria

Faz-se apenas uma boca
a cantar uníssona a liberdade

Encaixam-se as palavras
o pensamento e os corpos

 entre o céu e a terra
é vento, é água, é fogo,



quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Passagem Avessa




Atravessa essa rua
Ultrapassa o meio fio

Calçadas separam o ir e vir

Sejamos refluxos
encharcando de movimento
as vidas paradas 
que apontam os olhos
com medo do risco torto

Quanta falta de vida, na beirada do caminho
  não faz travessia.

Busca o meio do mundo!

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Bodas em vento de ouro





A liberdade só o tempo dá...
as asas pedem vento
vão se abrindo devagarinho
de repente sem saber
voamos sobre os anos
na leveza da experiência
no carinho da manobra
sentimos a segurança
sem termos em que apoiar
soprando no rosto
a sensação do tudo posso:
transmutação do espírito,
cinquenta vezes vida







quarta-feira, 13 de julho de 2016

Adeus azulado

Parte da partida
é chegada
metade da metade
fica faltando pedaço

Amigo que vai
é um irmão
que cai no álbum de retratos

"Manuel foi pro céu"
num dia de teto azul



terça-feira, 12 de julho de 2016

Metade de mil


Podia rimar tempos e ventos
não há ritmo às palavras
fluídas, fugazes e sólidas
na surrealice  etérea
desse consciente-abstrato

Sopra aqui há alguns versos
sonetos com chaves de alumínio
epopéias ventinescas
quixotes carnavalescos
dulcinéias em moinhos tácitos

 A impermanente certeza
corrói na ventilhagem
perfis e cílios postiços
engomados de expectativas

Castrada toda falta de liberdade
e o vento segue soprando a areia
tênue entre a  forma e reforma
contrato com a desnecessidade
do limite derrubador de pensamentos

Pouca poesia pra muito vento:
metade de mim.
Mais que trezentos e cinquenta, Mário!
Sou Quinhetos.



quinta-feira, 7 de julho de 2016

Alegria





Era um sorriso espelhado,
nas águas daquele lugar,
que escorria iluminado
até as ondas do mar.

Um dia ficou cinzento
ninguém sabia explicar
e naquele momento
tudo parou de brilhar.

Descobriu-se nas correntes
das águas que ali viviam
o choro dos afluentes
que lentamente morriam

Aconteceu a chuvarada
daquelas que limpam o ar
as aves em revoada
começaram a cantar

Um clarão naquela dia
cobriu toda a paisagem
o sorriso das águas corria
oloruns davam passagem

Toda o povo mergulhou
olhos, mãos, pensamento
o sol brilhou de alegria
sorriram as flores ao vento




quarta-feira, 6 de julho de 2016

Segue o vento




A liberdade do vento
sopra esse outono,
varrendo árvores
e tudo que não serve,
pra nunca mais voltar.

Parte em folhas secas
o que fomos, tivemos
e jamais terminamos
num pretérito imperfeito
que não cansa de existir.

Prossegue na linha
atemporal essa inconstância
filha dos de-sìgnos avassaladores
poesia azeda e doce
gosto de infância melada
e machucada em dores.

O instrumento natural
dessa estação atua
tocando a frente muda
e indelicadamente  suave
a brisa atenta do recomeço.


terça-feira, 5 de julho de 2016

Passaporte para o infinito

                 Crônicas de viagem existem, desde que desbravar fronteiras tornou-se uma exigência aguda - ou existência para os que julgam mais profundamente esta questão. Li muitos textos sobre este assunto: Crônicas de viagem; Diário de Motocicleta; Comer, Amar e Rezar, além de clássicos como Viagens Setentrionais de Sterne, Cartas de Pero Vaz de Caminha, A Arte de Viajar, mas a melhor de todas as crônicas foi aquela que vivi em viagens, onde cada palavra foi experimentada à conta das aventuras de se arriscar inteira, entre fronteiras, para abraçar descobertas.
                 Durante anos fiquei sem viajar, por motivos vários, pequenos e grandes, no entanto após profundas viagens dentro de mim, entre dores e decisões, necessárias à sobrevivências vitais ao sentido de entender a essência de estarmos por aqui, resolvi "andar por aí". Acabei atravessando as linhas do horizonte corriqueiro e parti pra todos os lados e direções, tornei-me minha própria bússola. Foi assim que compreendi o peso e comprimento da liberdade de cada passo. 
                    Todas as viagens começam dentro de nós e qualquer uma delas tem como ponto de apoio o nosso desejo e como consequências nossas escolhas.
                     Por onde ir? Qual o melhor caminho? E se chover? Se nevar? Se o sol estiver derretendo os miolos? A resposta é: Siga em frente com determinação.   Afinal, parodiando Fernando Pessoa: viajar é preciso, viver não é preciso...
                    

domingo, 19 de junho de 2016

Dom Quixote da Boemia

De todos os loucos do mundo eu quis você
Porque eu tava cansada de ser louca assim sozinha
De todos os loucos do mundo eu quis você
Porque a sua loucura parece um pouco com a minha
Clarice Falcão

                          

Lá vem sua boca gritando silêncios
em frente da porta, com a alma entre as mãos
me dizendo pra entrar, sem entender
que eu pensei que quisesse ficar

Cá ficou você, horas a mais
mordendo o tempo, querendo partir
e eu pensei que quisesse ficar
                                me pediu pra sair, tentando agradecer

Bebeu a noite, liquificou  a manhã
                                             passou a morar por aqui
                                         depois que nunca mais voltou
e eu pensei que quisesse ficar

                            Mas você não ultrapassa a fronteira
negocia limites se amarrando
numa liberdade que não tem
                            e eu pensei que quisesse ficar

Na agenda, virá outro descompromisso
Quixote Boêmio, até outro dia!
Essa Dulcinéia é filha dos moinhos...
Sabe voar...dança no vento...
e já não acredita que você quer ficar.
                 






CO_MOVIDAS

          Para Maria Ester Iraola


           

          É claro, que somos moventes, movediças e removedoras...com certeza estamos recheadas de dúvidas, bancando certezas, mas como nada é definitivo, ora o sol, ora a chuva impregnam nossas vidas de tudo o que determinamos necessário. Eis (in) verdades notificadoras de nossa humanidade.
        Numa roda de Ser nos conectamos com nossas essências, quando tecemos vivências e 'artificamos' as dores em cores subjetivas. Uma é signo, outra é cor, a terceira transparência e a perdida é guia,  em caminhos esculpidos por unhas esmaltadas e saltos agulhas, sob passos firmes. Partimos do fim e iniciamos tantos recomeços, repletas do que sempre seremos: Nossas histórias. 
             Egípcias, romanas, ameríndias e afro-orientais, quem trazemos em nós? Tupiniquins da idade Média, cavamos cavernas em Dubai e patinamos nos desertos. Combinamos as diversidades e criamos novas maneiras de contemplar a lida: nosso trabalho é o devir.
             Diferentes idiomas expressam entre nós uma mesma linguagem: SOMOS O DIVINO FEMININO NUM UNIVERSO MESCLADO POR TODOS OS SERES, QUE FOMOS, SOMOS E SEREMOS...


sexta-feira, 27 de maio de 2016

Carta aberta em ventania


         Há um erotismo telúrico, nessa vontade perigosa de ser e estar na tua paisagem poética.
Tenho medo de tanta beleza. Quero obedecer a desordem. Pertencer a essa incoerência. Revi-
sitar um "non sense" que já nem sei se reconheço, nos aquarelados sonhos que têm pintado
minha paisagem.
         Possibilidades de brisas acalmam o furacão inverossímil que quer arrebentar portas, 
quebrar janelas, adiar compromissos, para fechar a porta, abrir a janela, assumir sumiços...
escrever nas páginas dos lençóis um poema vivo e  retocado
pela liberdade, bordado pelo abstrato e tomado de nós, entre nós...tecendo uma escultura,
uma imagem-carta aberta, soprada pela ventania, que espalhará o aroma da  natureza exa-
lado da explosão desse desejo contido, sob as pálpebras cerradas, as unhas nas paredes, os
lábios mordidos e a pele na mendicância de um simples toque real.
         Haverá? Diz um sopro, que nunca deixou de haver...

sábado, 30 de abril de 2016

Entre lençóis e escotilhas

   

     Tantas diferenças nos revelam iguais. Quanto mais distantes, mais próximos. Se somos mais óbvios mais obtusos. Seguimos assim penetrando lençóis e escapando por escotilhas.
        Cenas inventadas dentro de uma realidade friamente calculada - os olhos sem ver saídas - apenas entradas escapatórias.
     O toque suave do que nos cobre e a brutalidade ferrenha do que nos escapa, rasgando-se a delicadeza.
         Nada equivalente, todo espedaçado é o quadro da vida, pintado pelo sopro do acaso.
      Lenços imensos,  cobrindo desalinhos, formas amassadas contra a gravidade, enquanto leves tecidos sopram os varais.
     Sejamos livres, fazendo asas em tecituras  e colocando o controverso para o fundo do mar, conferindo-nos os paradoxos, como temperos a iguaria de viver.
        Complexos opostos que dão sentido ao nosso caminhar... 
 

Apoética




As palavras colam no céu da boca 
guardam-se em gavetas
escondem-se da leitura

Cala-se a poesia
envergonhada do mundo
prefere a liberdade do não...
no silêncio, 
os sentidos pulsam,
gritam...

A falta diz mais que a presença

As palavras nesse outono
secam e partem ao vento
para brotarem mais forte
em alguma outra estação



domingo, 10 de abril de 2016

Onde é o céu da tua boca?


Porque o mal é o que sai da boca...



A tua boca
não fala nem beija
ela  não é louca
é só uma boca
que a saliva despeja


O que tua boca-oca
deseja?

Dentro dela chove
e faltam palavras
então relampeja

e quando fica sêca
sem esperança
ela só pragueja

sexta-feira, 18 de março de 2016

Conexões...

         

             Numa conversa extrovertida de balcão, consegue-se descobrir coisas inusitadas como: cérebro digestivo. A cliente identifica-se como alguém interessada em assuntos sobre a alimentação e digestão, assim constrói um diálogo com a comerciante à respeito da relação entre o cérebro e o intestino, alegando que ambos estão e têm sentidos conectados. A dona do estabelecimento apresenta um produto, que segundo sua experiência, permite a leveza de sentir o intestino limpo, sem nenhuma impureza. Prontamente, a cliente, que diz ser psicóloga, afirma: Há um intenso reflexo entre o funcionamento do cérebro e a digestão. Ambos são processadores de motivações externas ao corpo (alimentação e imagens) decodificadas em suas entranhas, ressignificadas pra fora, após a transformação que sofrem.
                   Há, no entanto, o saber sem sabor e o sabor sem saber, que auxiliam a desenvoltura física e psicológica do Ser que humanizamos.
              Caminhei,  revendo esses pontos de vista, e conclui: Todos os pontos do nosso corpo mantêm interseções e fundamentos que notificam suas equivalências. Notei que havia algo em comum entre a comerciante e a cliente, elas faziam, pois, uma digestão cerebral...
                   Lembrei, então, de paisagens que alimentaram meu cérebro e de comidas que me fizeram refestelar os pensamentos, num inverno que reuniu todos os meu sentidos. Tudo ficou limpo dentro de mim ao encontrar novos horizontes. Seguimos entre o saber e o sabor do presente, sem olhar pra trás, ou querer estar à frente.

terça-feira, 1 de março de 2016

Lodos, Líquens e areias nada movediças

   


    Há tantas formas de ser e estar no mundo e existem os que não as encontram, seguem desformes. Parece não caberem possibilidades diferentes, para os que pretendem-se sempre iguais. Seguimos a observar e sentir várias maneiras de preencher a vida, nem que seja de um vazio cheio de incertezas. Vemos a cada dia pessoas mais e mais insatisfeitas com as escolhas que fizeram, ou deixarão outros fazerem por elas... se é que isso existe...pois não escolher também é uma escolha.
    Tudo isso está presente nestes tempos de subjetividade insana, quando o narcisismo em sua plena força esmaga o outro, sem largar o desejo inconsequente de ter pra ser, como se realmente isso fosse possível. Tudo somos e nada temos, apenas possuímos esse fluxo da vida, que se eterniza, diante da fugacidade do que nos possui - o que está a nossa volta - e cremos nos representar. Quem somos, diante do que temos? E o que temos diante do que somos?
    Ilusão, ilusão, que estranha força a conduz e nos deixa levar por uma verdade espantosamente mentirosa. Somos o que sentimos e os sentimentos que provocamos, fora isso nada somos. "...quanta farsa, quanta mentira...", afirma o filósofo Lulu Santos.
     Ventemos, então, na direção da essência, essa nossa condição verdadeira, nos oferecendo sentido na caminhada pra dentro de nós. Sejamos de verdade, feitos de nós mesmos. Desapeguemos das pedras e vigiemos o tempo que dura a marca de nossas pegadas, desenhando nossa estrada real.

domingo, 31 de janeiro de 2016

Desinventando


/escrevo
e o vento apaga

/vento
e a escrita voa

a poesia
é fluxo
inquieto